Acontece nas melhores famílias. O cara começa do
nada, trabalha incessantemente, come alguns sacos de sal, até que dá certo na
vida. Muda de patamar e passa a morar na cobertura. Palmas pro cara. Finalmente
ele alcança uma vista privilegiada. Olha para baixo, vê o caminho percorrido e
se orgulha do esforço. Valeu a pena. E o que ele imagina ser sua hora de paz é
justamente o momento mais perigoso. É quando assombra o fantasma da
superioridade.
Convencido de seu inesgotável talento, o pobre vencedor não
consegue descer do salto. Acaba condenado aos calos — e pode sangrar os pés,
mas dali não desce. Pessoas ou empresas nessa situação passam a ter uma visão
idealizada de si mesmas. Passam a acreditar no que andam falando de suas
figuras.
Desprovido de insegurança, o mito não pisa no chão: flutua. Não
precisa de ninguém: os outros é que precisam dele. Não há mais o que
conquistar: o mundo é que passa a sonhar em conquistá-lo.
Você já deve ter
convivido com um superiorizado bem de perto.
É a empresa que não valoriza o
colaborador, porque acredita que é um privilégio trabalhar ali. O chefe que
acredita ter ensinado tudo ao subordinado, e nem imagina o quanto com ele
aprendeu. O empregador que usa a ameaça de demissão como método de gestão. Não
é preciso ir longe: é o homem certo de que nunca vai ser deixado pela namorada
— até descobrir que ela tem um amante.
Complexo de superioridade é uma síndrome
perigosa à qual todos estamos sujeitos. Uma espécie de miopia que nos impede de
ver o mundo como é.
Lá do alto, enxergamos mal o que ficou abaixo. Tudo fica
pequeno e longe demais, até o espelho. Oposto ao complexo de inferioridade, que
nos mantém ligados demais ao medo e à insegurança, este outro nos faz acreditar
que nada mais é preciso temer. E é aí que mora o perigo. Cair de um ou dois
metros de altura provoca, no máximo, uma fratura.
Cair do 10º andar é morte na
certa. Do alto ao nada, em poucos segundos. É bom não se perder de sua
humanidade falível, a mesma que o levou à conquista. Duvide um pouco (e sempre)
de si mesmo.
É a forma mais bonita e humana de caminhar.
Por: Cris Guerra
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